domingo, 17 de maio de 2009

A acidez de Todd Solondz




Um homem de meia idade está num parque. Seu rosto não transmite nenhuma emoção. Ao seu redor, pessoas fazem piquenique, praticam cooper, conversam em bancos de madeira; casais de gays caminham tranquilamente de mãos dadas. A música de fundo desperta sensação de paz e tranqüilidade. Tudo é calmo, verde e bucólico; um dia sereno, como poucos… O homem de meia idade então engatilha um fuzil, caminha em direção às pessoas e começa a atirar. A câmera sobe junto com a harmonia da música. Ele agora está cercado por corpos caídos e ensangüentados, porém o que mais impressiona nisso tudo é a sua introspecção, seu rosto impassível e sua indiferença levemente satisfeita. Cena do filme Felicidade, de Todd Solondz, que narra um sonho constante que atormenta essa personagem, um psicoterapeuta pedófilo, as imagens traduzem de forma sintética o estilo cáustico e irônico desse diretor americano que foge completamente do formato comercial da maioria dos seus compatriotas.

Nascido em 1959 em Newark, Nova Jersey, o americano Todd Solondz é formado em Inglês pela universidade de Yale; estudou cinema na Universidade de Nova York, mas não chegou a concluir a graduação. Na infância, queria ser rabino, tornou-se roteirista e diretor de filmes. Deu início a sua carreira em 1985 com o curta-metragem Schatt's Last Shot (inédito no Brasil). Em 1989, lançou Fear, Anxiety & Depression (também inédito). Tornou-se reconhecido apenas em 1995 com Bem-vindo à Casa de Bonecas, filme que ganhou o prêmio de Melhor Revelação no Independent Spirit Awards. Veio à luz então o aclamado Felicidade (1998), filme polêmico que mostra perversões sexuais de forma "afável" e a constante busca de felicidade como preenchimento do vazio existencial. Seus últimos trabalhos foram Histórias Proibidas (2001) e Palindromes (2004). No momento, realiza seu próximo filme no qual terá a participação de Paris Hilton.

Solondz é uma referência de cinema independente, crítico e cara-de-pau, que só os diretores de coragem (leia-se: que não visam apenas o dinheiro) conseguem fazer.

Abrindo mão de acontecimentos extraordinários que quebram a normalidade da vida, gerando assim ação dramática, por um mergulho no cotidiano banal de pessoas totalmente comuns, Solondz cria um rol de cenas incríveis. Na verdade, o conflito nasce do relacionamento sempre tenso entre as personagens. Às vezes ficamos constrangidos por silêncios intermináveis entre eles após uma cena forte. Complexos, racismo, hipocrisia, perversões sexuais, grosserias, crueldade, tudo recheado de humor negro e do fino sarcasmo que são características essenciais do diretor. O modo de vida americano é dissecado friamente. A família, microcosmo da sociedade, é o meio onde são geradas as neuroses e os falsos valores sociais. "A cada história pela qual me interesso mesclo um pouco de tristeza, um pouco de humor e um pouco de ironia. Inteligência, humor e tristeza é uma grande combinação", diz Solondz em entrevista ao Correio Braziliense.

Seus protagonistas são seres feios, infelizes, nerds, isolados, pedófilos, chatos, alienados, pervertidos, imaturos, excêntricos etc. Sempre em conflito com "o padrão" necessário exigido para serem aceitos pela sociedade. São seres que sofrem por não conseguirem se adaptar a "normalidade". Suas vidas são o retrato cruel da falta de espaço para quem é diferente num mundo estandardizado. E é daí que surge a temática de suas estórias. Ele lança luz nas profundezas mais obscuras da alma humana. Rimos de certas situações, mas é um riso nervoso, constrangido, um riso de identificação.

Enfim, o cinema de Solondz nos faz refletir sobre nosso próprio comportamento em relação ao outro. Requer uma boa dose de sensibilidade e inteligência, e a capacidade de auto-reflexão, coisa rara no cinema espetáculo da industria cultural, que nos cobra apenas a passividade intelectual e o não-pensar.





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