segunda-feira, 23 de abril de 2012

Crescer é aprender a enganar o tédio

Por Geilson Volking



Lembro-me da primeira vez em que toquei os seios de uma garota. Era São João. E ao invés de dançar quadrilha, pular fogueira, soltar bombas ou assar milho na brasa preferíamos nos esconder num beco escuro e explorar nossos pecados infantojuvenis. Os seios eram grandes, fartos, saborosos para as minhas pequenas mãos. Engraçado as primeiras impressões das primeiras experiências. A sensação que tive ao acariciá-los foi de estar pegando em bexigas de encher pouco infladas. Aconteceu o mesmo com o primeiro beijo. Nele, descobri que a boca era oca. Um abismo no meio da cara. Hoje me pergunto se a melhor transa vale aqueles seios pousados nas palmas das minhas mãos; se a mulher mais gostosa chega perto da primeira sensação que tive ao sentir uma mão, que não a minha, agasalhar meu pênis, carinhosamente.
Acho que a melhor fase da vida é a fase das descobertas físicas e intelectuais. Depois tudo perde um pouco a graça, a originalidade, a intensidade. A vida adulta esmaga as novidades com a delicadeza de um tanque de guerra. Tornamo-nos mais ponderados, mais minuciosos. É quando o eterno retorno começa. Mesmo o novo e o original sentem o impacto do se “tornar adulto”.

Quando tinha 17 anos assisti ao filme Malcolm X, de Spike Lee, e passei uma semana ruminando aquelas cenas. Andando entre prateleiras de uma biblioteca pública descobri a biografia do ativista negro americano e li quase de um só fôlego. Aquele filme e aquele livro marcaram profundamente a minha juventude. Onze anos depois, a procura de fortes sensações, algo que me arrebatasse, que me arrancasse aplausos, alugo o filme em questão. E, para minha surpresa, foi apenas mais um bom filme biográfico. Não que ele seja ruim, não que a luta contra as injustiças sociais seja menos importante, mas o Geilson de 11 anos atrás não é o mesmo Geilson de hoje. Gostaria de ter sentido a mesma coisa que no passado, mas não senti. Acho que o impacto do novo é absorvido pela criança e pelo adolescente de forma muito mais apaixonada. No adulto, a máquina de medir a experiência estética, mesmo sendo nova, é outra. No entanto, em respeito à explosão que foi assistir Malcolm X pela primeira vez, se me perguntam se gostei desse filme, digo que foi um dos melhores que já vi. Mas algo se perdeu. Será que essa leve sensação de indiferença é o que chamam de amadurecimento?

Faz tempo que não choro de tanto rir. E que sensação maravilhosa é chorar de tanto rir. Você já percebeu que quando adolescente a vida é mais engraçada? Tudo é muito divertido. Uma conversa entre amigos é um circo. Não sabemos de onde, mas as engrenagens do nosso cérebro trabalham em prol da tirada ridícula. Contudo, o tempo passa e a mesmíssima reunião de amigos parece mais um momento fúnebre: é o trabalho que não presta, é o meu patrão que é uma besta, é a minha esposa que não me compreende, são as contas que não acabam mais, tudo isso em torno de bebidas alcoólicas e fundo musical melancólico. As piadas tornam-se humor negro e as risadas que delas nascem fenecem em questão de segundos.

Costumava olhar sempre as estrelas. Colocava uma cadeira de balanço no quintal, apagava a luz e ficava por um bom tempo imaginando o porquê de tudo isso, o porquê de tanto mistério nesse mundo. Será que existe vida noutros planetas? Vida após a morte? Deus é apenas uma invenção humana, ou está em tudo, já que um relógio não se faz sem um relojoeiro? O conhecimento nunca precede a experiência? Qual o sentido disso tudo…? Acho que não tenho mais tanta paciência. A razão e a fé são dois becos sem saída. Fico então sem mais palavras. Os mistérios continuam firmes e fortes, inexplicáveis dentro e fora de mim. Crescer é aprender a enganar o tédio. Quando o novo deixa de ser novidade e a vida torna-se apenas uma peça repetida ao extremo, o melhor é lançar olhos para o passado e de lá trazer a sabedoria das primeiras experiências.

Somos um gato gordo e bocejante deitado no tapete vendo seu filhote brincar com o próprio rabo.

domingo, 6 de novembro de 2011

Amanda e Monick



Certa vez discuti com um colega meu, que está se formando em pedagogia, sobre os motivos, segundo ele, que levam as pessoas à homossexualidade. Ele dizia que crianças mimadas e criadas pelas avós normalmente se tornavam homossexuais. E que tudo não passa de uma questão de escolha, no momento em que se toma vergonha na cara, o gay volta ao “normal”. Três ouvintes concordaram com ele.

Diante dum argumento desses, eu fico muito triste com a forma que as pessoas andam raciocinando por aí. Se é que podemos chamar isso de raciocínio. Sobretudo vindo de um futuro pedagogo.

Não estou tomando partido, pois cada um sabe onde tomar. Mas o preconceito e a falta de informação é um problema que está enraizado em nossa cultura. Não só em relação à sexualidade, mas em relação a tudo que é diferente.

No final do debate, desejei ao meu colega que um dia ele tivesse um filho homossexual. Talvez ele começasse a pensar diferente.

Mas cá entre nós, desconfio que ele tenha sido criado pela avó.





Quem tiver com preguiça de assistir tudo, veja pelo menos essa parte:

PAIS E FILHOS(AS)

domingo, 14 de março de 2010

A Vida dos Outros (2006)






Estado e indivíduo. Direitos e deveres. Poder e submissão. O eterno cabo de guerra entre forças antagônicas. Os abusos que o Sistema exerce em cima do indivíduo e a resistência destes (ou não) diante de tamanha pressão. Relações de força me atraem de forma muito singular. E quando encontro isso bem trabalhado em forma de arte, seja num livro, filme, canção, peça ou poema, aplaudo a criatividade do autor.

Em A Vida dos Outros(Alemanha), do diretor e roteirista Florian Henckel von Donnersmarck, que ganhou em 2007 o Oscar de melhor filme estrangeiro, vemos o que um governo totalitário faz com a vida particular das pessoas. Sobretudo com aquelas que pensam e que são vistas como ameaça ao Establishment.

É novembro de 1984, Alemanha Oriental, ainda sob o regime socialista, um diretor de teatro, Georg Dreyman e sua namorada, a atriz Christa-Maria Sieland, passam a ser espionados pela Stasi, polícia secreta da República Democrática Alemã, com a acusação de que as peças de Dreyman levam em seu conteúdo idéias contrárias as do governo. Um espião, Gerd Wiesler, é convidado à missão de descobrir quais são as verdadeiras intenções desses artistas. Começa então um verdadeiro Big Brother, não por coincidência a história se passa em 1984, remetendo-se a George Orwell. Câmeras e microfones são instalados no apartamento do casal, e, pelo andar de cima, eles passam a ser vigiados 24 horas por dia. Tudo que é tido como relevante entra num relatório escrito numa máquina de escrever.

Gerd Wiesler, o espião, um homem frio e meticuloso, competente naquilo que faz e totalmente a favor do governo, penetra na vida desses dois artistas de forma tão extrema, vivendo as suas dores, relatando as suas esperanças, que algo começa a se modificar em sua percepção da vida. A arte e sua paixão arrebatadora contra a frieza do estado burocrático e controlador. Eis o ponto em questão. Uma luta velada de psicologias conflitantes, tendo como pano de fundo as idéias de liberdade e opressão, leva o filme a um final que é melhor o querido leitor ver por si mesmo.


Escrito e dirigido por um jovem de apenas 33 anos de idade, a Vida dos Outros é um filme inteligente, sensível e com um ótimo roteiro. Que não se preocupa apenas em ganhar dinheiro na indústria do cinema, mas fazer as pessoas pensarem até que ponto o Estado pode controlar e invadir a privacidade das pessoas.


quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

O Melhor da Festa é Esperar por Ela: Feliz 2010!






Champanhe Sidra na geladeira, resto de peru do natal, uma parelha de roupa nova que não deu tempo de lavar; no bolso: Engov, Diasec, camisinha (inclusive feminina) e um calendário 2010 com a foto de três cachorros dentro de uma sesta que o dono da farmácia implorou para que você levasse.

Ano novo, eita porra, vida nova! Renovação de esperanças, promessas e planos. Sentimentos confusos dentro do peito, um misto de prazer e dor. Prazer de ainda estar no páreo feito um cavalo velho; dor de saber que o tempo não pára e que mais um ano se passou e você não fez porra nenhuma que prometera exatamente um ano antes. Mas é isso mesmo. Coisas da humanidade.

Acho que estou ficando velho e rabugento, pois essas datas estão começando a me comover como o diabo. Em breve estarei assistindo novela mexicana e chorando com o quadro “De volta para minha terra”.

Eu sugiro que você vá se divertir. Não espere muita coisa não. A gente tem sempre essa mania besta de ficar idealizando tudo. Se prestar, prestou. Se comer, comeu. Se cagar, cagou. O melhor da festa é esperar por ela, eis o segredo.

Mas se você é daqueles ranzinzas que não consegue ver graça em nada, alugue um filme expressionista alemão da década de 20 ou vá dormir mais cedo, antes que seja pego por sentimentos melancólicos quando lá fora estourarem os fogos à meia noite.

Particularmente, vou tomar uma. Ou duas. Fingir que sou normal. Vocês sabem. Amanhã é feriado mesmo. Um Engov antes, um depois, e estamos conversados.

Aos milhares de leitores deste blog eu desejo um feliz 2010 e blá blá blá...

Fiquem com Carlinhos Drummond de Andrade e sua poética sabedoria:




terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Cotidiano


Por Geilson Volking

 
Atravesso a avenida
Prudente de Morais
compro pão
leio jornais

 
O céu é azul
as nuvens são claras
as pessoas passam apressadas
sabendo que vão morrer

 
Volto pra casa
abro a gaveta
papel, revólver, caneta
qual deles devo escolher?

 


 


 

(Publicado no livro "1° Concurso de Poesia Zila Mamede", Potiguar Notícias)


sábado, 19 de dezembro de 2009

Zorra Total x George Carlin




Direcionado a um público com pouco senso crítico, o humor da televisão brasileira é, em uma palavra, estúpido.

Último sábado liguei a Prostituta aqui de casa (é assim que chamo a TV aberta), com a doce ilusão de assistir alguma coisa que não me fizesse vomitar. Pensando bem, não sei nem por que a liguei. Sabe aqueles atos involuntários que você se pega fazendo sem perceber o porquê de o estar fazendo? Tipo, você vem pensando pensando e tal e pá e puf e de repente você está escovando os dentes! Mais ou menos isso. Liguei a TV e parei na Rede Globo de Televisão (a cafetina-mor). Passava Zorra Total. Meus genes masoquistas pulaaaaaram de alegria. Então me vi sentado diante desse programa de humor como alguém que espera pacientemente um exame da próstata. Perguntei-me embasbacado: como é possível um programa humorístico não conseguir fazer você rir nem sequer por um milionésimo de segundo? Ou será que o problema é comigo? Os atores são exagerados, falam alto, gritam muito, parece coisa de teatro-pantomima; tudo é clichê, estúpido, imbecil, repetitivo, apelativo, sem graça… quem é o público alvo dessa porcaria? Espero que não seja você, leitor.

Lembro então de George Carlin, ator, comediante e autor norte-americano que morreu no ano passado. Dono de uma língua ferina e de uma inteligência que falta aos nossos comediantes, ele atacava tudo aquilo que ia (e que vai) de encontro à liberdade intelectual de cada um. Ateu convicto, a religião era um prato cheio para sua crítica mordaz. Os grandes temas tanto quanto os pequenos eram abordados com um humor refinado, ágil e, acima de tudo, lúcido. Bem longe desse humor abobalhado que é feito aqui no Brasil. As minúcias da língua, o que fica subtendido em cada frase, em cada pensamento, em cada comportamento eram colocados sob a lupa do seu raciocínio fulminante. Sabe aqueles detalhes que de tão “banais” não conseguimos mais enxergar? Preconceitos, política, superstições, hipocrisias, Sonho e Estilo de vida americano, guerras, etc. eram a matéria-prima de seu Stand-up Comedy. Enfim, ele era um efeito colateral que o próprio sistema americano criou.

Esse estilo de humor usado por George Carlin, o Stand-up Comedy, começa a dar às caras aqui no Brasil (falo do estilo, não do conteúdo). Nomes como: Rafinha Bastos, Diogo Portugal, Bruno Motta, Danilo Gentili, Oscar Filho, etc. já podem ser vistos no Youtube e em algumas participações em programas de televisão. Em 2008, houve um concurso de Stand-up Comedy no Domingão do Faustão chamado “Quem chega lá”; entrevistas no Jô Soares e pequenas apresentações no programa Altas Horas. No entanto, apesar do espaço aberto a esses novos humoristas – até quando não sei -, e do telespectador poder tomar conhecimento desse tipo de humor, falta aparecer alguém com coragem suficiente para falar sobre assuntos que façam as pessoas saírem do lugar comum. No Brasil, especialmente na TV, existe um certo limite, uma certa censura velada, como se fosse “pecado” falar mal de alguns assuntos tais como: futebol, religião, superstições populares e estupidez coletiva. É aquela velha história do cliente (telespectador/leitor/ouvinte) ter sempre a razão, e o melhor é não contrariá-lo, já que o ibope e a venda depende deles, e é o que mais interessa a mídia em geral. 

Gostaria muito que surgisse um George Carlin brasileiro, sem rabo preso, contra-cultural, crítico social e com total liberdade de se expressar. Uma cara com talento e, acima de tudo, coragem, para jogar na cara de cada um de nós séculos e séculos de superstições e controle social. Enfim, alguém que nos fizesse pensar humoristicamente. Tenho absoluta certeza que nosso país seria um manancial inesgotável de inspiração.

sábado, 27 de junho de 2009

Moonwalk Blues: Morre Michael Jackson

Por Geilson Volking





"Que parem os relógios, cale o telefone,
jogue-se ao cão um osso e que não ladre mais,
que emudeça o piano e que o tambor sancione
a vinda do caixão seguido por seu cortejo

Que os aviões, gemendo, acima e em alvoroço,
escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.
Que as pombas guardem luto — um laço no pescoço —
e os guardas usem finas luvas cor-de-breu."



    Senhoras e senhores, Michael Jackson está morto.
    Quando minha esposa me ligou às 19:03 na noite de quinta-feira, dia 25 de junho de 2009, para me lembrar de passar no supermercado e comprar pão e tempero completo, eu não imaginava que ela terminaria seu recado com as seguintes frases:
    — Sim, Gê, sabe quem morreu?
    Arrisquei, óbvio.
    — Gugu Liberato.
    — Não, Michael Jackson.
    Por uma fração de segundo meu cérebro parou. Houve um silêncio do tamanho do Gran Canyon nos meus pensamentos.
    — Morreu?!
    — Foi.
    — Mas... morreu de quê?
    — Sei lá, tá dando no Jornal. Vou desligar pra não acabar meus créditos. Tchau.
    E desligou.
    Fiquei ali então parado debaixo do sinal de trânsito, com uma fatia de limão na língua.
    Impossível! Michael Jackson morreu?! Tanta mulher no mundo e eu fui casar com a mais mentirosa. Só pode ser castigo.
    Ao passar por dois adolescentes, escutei a palavra "Jackson". Bem, poderiam estar falando sobre a Família Jackson. Lembrei de Shakespeare com aquele negócio de mistérios entre o céu e a terra... Liguei o rádio do meu celular e estourou "Ben" lá dentro dos meus ouvidos. Mudei de estação e esbarrei em "Thriller". Dentro da minha barriga as tripas dançavam um break, talvez em homenagem. Foi então que o locutor com voz cavernosa e falsa condolência declarou: "Nossa rádio está de luto. O Jornal Los Angeles Times confirmou agora a pouco a morte do Rei do pop, Michael Jackson". Imediatamente lembrei-me do poema "Funeral Blues", de W. H. Auden, que ficou ecoando na minha cabeça como um maldito refrão de música de axé.
    Michael, Michael..., suspirei profundo, bateu as sapatilhas. Toda a minha infância e adolescência estiveram sob sua influência. Se eu disser que era fã estarei mentindo. Na verdade, acompanhei sua carreira com certa admiração reservada. Admiração que tenho por aqueles que sabem exatamente o que querem e o fazem da melhor forma possível. Ele viveu literalmente toda a sua vida em função do que gostava e literalmente recriou o pop. Hoje, no cenário musical, o que vemos é muita gente fazendo muita coisa parecida. Muita banda que de diferente só tem o nome. Talvez o gênio se destaque por causa disto: eles são únicos, aparecem no mundo e mudam as coisas, fulminam os que acham que tem talento, como o sol que ofusca o brilho das outras estrelas.
    Procuro sempre não confundir a obra com o seu autor. Se ele foi processado várias vezes por variados motivos isso não lhe tira o mérito como artista. É como dizer que Hitler não tinha retórica e espírito de liderança por que cometeu todas aquelas atrocidades na 2° Guerra Mundial. Se ele já não era mais o mesmo da década de oitenta, um dia ele o foi e isso já basta.
    Michael Jackson, um dos maiores astros que já existiu. Um furacão que passou pela Terra. Incontestavelmente, um gênio. Ele era música, dança, técnica, expressão corporal na sua mais alta qualidade (dentro do seu gênero). Um negro pobre que veio do nada e embasbacou o mundo com a sua arte, com a sua criatividade, com o seu brilho. Apesar de fazer parte da indústria cultural é inegável o seu talento e originalidade, por isso tanto sucesso nas mais variadas camadas sociais. Não quero generalizar mas mesmo para aqueles que não gostam dele é quase impossível ficar indiferente a uma apresentação de Michael Jackson. Existia uma força em seus movimentos. A gente fica se perguntando como diabos ele conseguia fazer aquilo; MJ foi um fenômeno ímpar, especial, inimitável, apesar de tantos sósias.
    Num céu carente de grandes estrelas mais uma se apaga. Mas que deixará seu brilho ainda por muito tempo; até quando? Impossível saber.
    Obrigado, Michael, por fazer parte do repertório da minha vida. Das minhas boas memórias de infância e adolescência. Você deixa saudades e uma lacuna enorme como personalidade no cenário musical. Esta é minha pequena homenagem.
    Adeus.